O sal?o de banquetes estava iluminado por lustres que pendiam graciosamente do teto alto, espalhando uma luz suave que refletia nas ta?as e talheres meticulosamente arranjados sobre a longa mesa de madeira escura. Uma lira tocava ao fundo, criando uma atmosfera quase mágica que se mesclava ao aroma de pratos exóticos e especiarias desconhecidas, prometendo uma noite de descobertas culinárias e conversas intrigantes.
Sentados à mesa, os membros da Ironia Divina foram cercados por conversas em idiomas que misturavam os dialetos dos mais diversos locais. Pedro juntou-se a eles pouco depois, trazendo consigo uma aura intensa de mistério e autoridade, mas cumprimentando a todos com um olhar caloroso.
à mesa, uma mulher de tra?os fortes e cabelos escuros chamava a aten??o.
— Quem diria que voltaríamos a nos encontrar aqui, Natalya. Vejo que arrumou seu bra?o — falou Ana, enquanto preparava-se para comer uma nova por??o da estranha, mas deliciosa, comida que estava em seu prato.
— é realmente uma bela coincidência. Sim, acabei dando um jeito. é bom que seu pequeno grupo também tenha se recuperado bem.
— Na medida do possível… de qualquer forma, fui um pouco rude em nosso último encontro, gostaria de agradecer pela ajuda, só estamos vivos gra?as a você.
— Oh, ent?o vocês se conhecem? — antes que a Colecionadora tivesse a chance de responder ao agradecimento, Pedro se dirigiu às mulheres com um largo sorriso, embora seus olhos n?o escondessem o brilho calculista ao analisar a cena.
— Passamos por alguns momentos difíceis juntas, mas foi um único momento de urgência.
— Entendo. Bom, seja como for, hoje temos convidados de honra conosco. Uma rainha e uma exilada jantam ao nosso lado, que brindemos a sua glória e sucesso futuro! — disse ele, apresentando os novos residentes temporários aos demais membros presentes, algo que todos aceitaram com um entusiasmo cauteloso.
— Exilada? — perguntou Alex, curioso com a conversa.
— Sim, s?o os reis e rainhas que abandonaram sua coroa, seja lá por qual motivo. Mas n?o ligue muito para o nome do título, como pode ver, mantemos boas rela??es. Natalya é uma mercenária de longa data, e assim como você, Ana, ela veio resolver assuntos de grande importancia para a companhia.
— Eu n?o sabia que você já havia sido uma rainha, mas faz sentido que tenham recrutado alguém t?o… extravagante — murmurou Ana, intrigada com a história.
— N?o apenas uma rainha, ela era uma de nossas raras visionárias de diamante! Infelizmente é um pouco gananciosa demais para respeitar nossas regras, ent?o se retirou do cargo.
A colecionadora revirou os olhos com o comentário, voltando a tomar sua bebida. Apesar disso, os membros da Ironia Divina a encaravam, encantados ao saberem que a mulher que comumente era vista na taverna de Barueri era alguém com tanto renome. Encarando o confortável silêncio como uma finaliza??o do assunto, o líder mercenário chamou a aten??o novamente para si.
— Talvez alguns de vocês já saibam disso, mas Leviathan n?o é apenas uma cidade; é um milagre de mana e engenhosidade — come?ou Pedro, servindo-se de um vinho azul luminescente. — A baleia foi encontrada flutuando inerte em um mar congelado. Era t?o grande quanto uma montanha, mas estranhamente n?o apareciam monstros nas redondezas, ent?o, sem saber que se tratava de uma criatura, um grupo de sobreviventes se estabeleceu ali. Claro, n?o era algo t?o simples. Assim que tentaram fazer o primeiro po?o para o abastecimento de água, a gigante despertou, mas ao invés de nadar no mar, levantou-se aos céus!
O grupo escutava, fascinado. Júlia, especialmente, pendurava-se em cada palavra, seus olhos brilhando com a c?mica cena que a história sugeria.
— Felizmente, com o uso das magias emergentes e das próprias características da criatura, transformamos este ser magnífico em nosso lar.
— é incrível que tenham domado algo t?o grande — falou a ca?adora ruiva, incapaz de conter seu espanto.
— Ah, n?o é uma quest?o de domínio, mas de simbiose. Leviathan é um ser independente, mas parece apreciar nossa ajuda. Quando as pessoas come?aram a construir sobre ela, integraram encantamentos que n?o só protegem a cidade mas também ajudam na absor??o de recursos da grande baleia. Em troca, ela nos oferece seguran?a e uma vista incrível — respondeu Natalya, rindo delicadamente ao tomar a palavra.
— Independente? Ent?o n?o a controlam? — perguntou Ana.
— Exato, apenas acompanhamos o caminho do monstro. Ele estranhamente segue uma rota bem definida, com varia??es de poucas dezenas de metros, ano após ano, sem uma única pausa sequer.
— E como virou um lugar de reuni?o para tantas culturas? — perguntou Brayner, interessado nas histórias e conhecimentos que novos lugares guardavam.
— N?o foi em um momento exato, é uma consequência da nossa jornada — explicou o líder da taverna, com um gesto amplo que abarcava a vista da cidade através das janelas do restaurante. — Ao cruzar os céus, Leviathan sempre chamou aten??o de pessoas ávidas pela vontade de viver entre as estrelas, e elas sempre deram um jeito de subir aqui. Com o tempo, cada nova onda de habitantes trouxe suas tradi??es, as quais lentamente se entrela?aram entre si.
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O jantar prosseguiu entre discuss?es animadas e revela??es, até Pedro levantar seu copo em um novo brinde.
— Leviathan tem muito a oferecer a vocês, e talvez vocês a nós. Eu vi sua luta em seus registros, Ana. Embora sua condensa??o de mana n?o pare?a alta, sua técnica é incrível. Você consideraria viver conosco por um tempo?
— Bem, conhe?o uma coisa ou outra, mas n?o entendo como isso pode ser útil para você.
— Apesar dos muitos ca?adores e mercenários da cidade, n?o temos muita gente com treinamento real, eles dependem quase que totalmente do aprimoramento corporal que a mana traz para completar suas aventuras. Os poucos que têm habilidade, infelizmente, n?o têm o interesse ou a paciência para ensinar. Pelo que pude notar, diferente deles, você n?o depende disso, mas de movimentos precisos e estratégia, e é por isso que sua ajuda seria inestimável — o homem pausou, observando a rea??o da garota. — Quero você treinando os soldados da cidade. Se concordar, eu garanto que os custos gerais do seu time ser?o cobertos enquanto estiverem aqui, além de receber um pagamento adequado, claro.
— Antes de dar uma resposta, o que um líder de companhia mercenária tem a ver com o quartel? — Ana estava intrigada com o pedido, mas sentiu que era estranho que fosse ele a fazê-lo.
— Sou um dos líderes eleitos, por aqui nosso ramo de atividade n?o sofre tanto preconceito quanto nas cidades terrenas. Enfim, em resumo, minha responsabilidade é garantir nossa seguran?a, mas temos alguns desafios únicos… Quando se tem pessoas t?o orgulhosas reunidas em um local t?o restrito, a disciplina muitas vezes fica em segundo plano, e nossos soldados n?o est?o dando conta de manter a ordem.
Ana trocou olhares com seu grupo, sentindo o peso da responsabilidade e o brilho da oportunidade. Havia excita??o e um pouco de apreens?o em seus rostos, cientes de que o convite n?o só prometia seguran?a e sustento, mas também um lugar entre as lendas de uma cidade que voava.
— Precisamos discutir isso juntos, mas a oferta é tentadora. Pode nos dar até amanh? para pensar?
— Claro. Espero ansiosamente sua resposta — Pedro concluiu com um sorriso enigmático, levantando-se e deixando a equipe sozinha para ponderar sobre o futuro que poderiam construir naquela cidade flutuante.
Após o jantar, o grupo foi convidado a explorar a cidade. Vendo com mais calma, as ruas de Leviathan eram um labirinto de maravilhas. Mercadores vendiam objetos encantados que prometiam aventuras; artistas de rua pintavam murais grandiosos; cafés e bares tocavam músicas que faziam os ouvintes sonharem acordados.
Ana refletia sobre o convite de Pedro. A cidade, com suas infinitas possibilidades, oferecia muito, mas também exigia muito. Sua mente trabalhava nas ramifica??es de sua decis?o, considerando n?o apenas as vantagens, mas também as possíveis perdas.
— Você parece pensativa — observou Felipe, notando a express?o distante de sua líder.
— Estou mesmo. é tudo incrível, mas cada dia aqui s?o semanas de viagem de volta pra casa, n?o sei se devemos aceitar a proposta.
— Devemos sim! Tem tantas coisas que quero ver, e n?o pagarmos por isso é uma vantagem enorme — gritou a animada Júlia, juntando-se à conversa.
— é realmente tentador, além de que pode ser a chance de crescimento que estávamos procurando. Mas precisamos pensar nas consequências, nas responsabilidades que isso acarretaria para todos nós — compartilhou Ana, seus olhos percorrendo o horizonte onde a cidade encontrava o céu. — Você n?o tem que voltar para sua irm?? Além dos outros, est?o realmente dispostos a deixar seus amigos? Suas famílias?
— Eu já expliquei para Eva que demoraria, e desde que ela come?ou com os remédios, melhorou muito! N?o acho que vai ser um problema. Além de que vou conseguir voltar cheia de novas histórias para ela.
Brayner deu de ombros para a pergunta de Ana, e os irm?os se entreolharam por um momento, mas também acenaram em concordancia de que estava tudo bem ficar.
— Ent?o está decidido — falou Ana, com um radiante sorriso, descartando suas preocupa??es iniciais — Se o que disseram no jantar estiver certo, em algum momento sobrevoaremos a rota de Barueri novamente. Até esse momento chegar, vamos dar a volta ao mundo em Leviathan. Que seja uma jornada memorável para todos nós.
Sua conclus?o foi seguida por um olhar perdido no horizonte, onde o sol poente tingia os céus de Leviathan com matizes de laranja e púrpura, lentamente dando lugar às estrelas.
O grupo se dispersou lentamente, cada um absorvendo a tranquilidade do momento e as possibilidades do amanh?. Ana caminhou até uma parte mais isolada de Leviathan, onde as luzes das ruas mal tocavam as pedras do cal?amento. A cidade abaixo estava vibrante, mas ela se sentia distante, quase deslocada. O vento frio que passava trazia consigo o som distante das ondas de nuvens batendo contra a baleia.
— Você sabia, certo? — murmurou ela, a voz carregada de uma dor n?o dita, dirigindo-se a um interlocutor desconhecido. — N?o entendo o motivo de nunca ter me contado que o mundo era t?o vasto.
Ela se apoiou contra a pedra fria de uma balaustrada, olhando para a imensid?o abaixo. Uma gigantesca cauda balan?ava lentamente nas nuvens, um lembrete constante da realidade surreal em que se encontrava. N?o importa o quanto encarava a criatura, n?o parava de ser fascinante.
— Pensei que seu beijo fosse um presente, mas agora, sentir meu corpo envelhecer, definhar, dia após dia... é como uma maldi??o. — As palavras de Ana eram quase um sussurro, sua voz quebrando com a emo??o. — Cada nova descoberta, cada nova maravilha que esse mundo oferece... apenas me lembra do tempo que me escapa.
Uma lágrima solitária escorreu por sua bochecha, refletindo a luz prateada de uma lampada próxima.
— Me responda, desgra?ado! Como p?de tirar minha eternidade quando ainda há tanto que n?o sei, Gabriel? Como p?de me for?ar a um destino t?o finito? — gritou a garota, a voz ecoando no vazio, o nome soando como uma acusa??o e um lamento.
O silêncio que se seguiu foi profundo, apenas o som suave da cidade noturna ao fundo. Ela permaneceu lá, perdida em pensamentos, até que a noite profunda trouxe consigo uma calma fria, e com ela, uma decis?o silenciosa.
“N?o tenho tempo para isso”, levantando-se, Ana enxugou as lágrimas, a determina??o moldando seu rosto ao encarar as estrelas distantes. As areias da vida lentamente escorriam e, ao menos para Ana, cada escolha feita eram como correntes cheias de arrependimento, n?o havia espa?o para ficar parada.
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